Ela aborda o tema da conformidade numa linguagem apelativa e as vezes até emotiva. Andrea Moreno está em Angola e com anos de experiências de Espanha e Brasil. Na entrevista que concedeu ao Jornal de Economia & Finanças, aproveitou desmistificar o facto de o “Compliance”, por regra, ser associado aos advogados e economistas: todos recém-formados numa universidade podem ser profissionais desta área ali onde eles actuam.
Quem são afinal os profissionais de “Compliance” e o que fazem de concreto?
Mais do que falar de profissionais de “Compliance”, deveríamos é falar da sua função, pois dependendo da área de actuação da empresa, eles executam várias tarefas. Por exemplo, a auditoria interna ou externa é função “compliance”. A avaliação de riscos corporativos também o é. Ou seja, um departamento de “compliance” de um banco não é o mesmo que o de uma petrolífera devido ao “core business”, pois os riscos são diferentes. O que faz o “compliance” é prever riscos na corporação e identificar delitos. Em todas as áreas profissinais, deve-se ter uma área de “compliance”, para que se verifique a conformidade e o cumprimento dos objectivos traçados.
A propósito do controlo, variadas vezes fala em conformidade e due diligence. São os objectos do “Compliance”?
Embora não nessa ordem que se apresenta, o necessário é saber que quando criámos sistema de complemento normativo da conformidade, ele é composto por aspectos de vigilância e controlo e, dentro desta, há um outro que chamamos de monitorização. É aqui onde faz-se a due diligence que nada mais é senão a necessidade de uma dada empresa verificar se os seus clientes estão a cumprir com as normas fixadas nos contratos seja para com a empresa seja para os clientes aos quais ela mesma presta serviços. Numa linha curta, due diligence é a verificação se o cliente está alinhado aos normativos do negócio. Em suma, o controlo interno e a due diligence são todos objectos da conformidade.
Há visivelmente uma carga ética muito forte na materialização do “Compliance”. Quer dizer que precisa-se trabalhar muito nestas ferramentas do comportamento humano e das organizações?
O objectivo do “compliance” é criar uma cultura empresarial ética, e ela ensina-se. Observa, contudo, que não falámos da ética como valores morais, mas sim como conduta empresarial. E isso também ensina-se, controla-se e monitoriza-se. O que não se pode admitir é não fazermos nada, mas esperarmos que haja uma conduta ética nas pessoas ou nas organizações. A ética e o “compliance” andam de mãos dadas. Um não existe sem o outro.
Quais seriam as necessidades internas de profissionais no ramo do “Compliance” e o que já temos neste momento?
Para a World Compliance - Capítulo Angola, o ideal é atingirmos no curto prazo (2019) um número de 500 profissionais associados. Em alguns meses de existência, já temos 175 membros e isso é um bom sinal.
Quem pode ser um associado?
Todos os interessados desde que sejam maiores de idade e no uso dos seus direitos civis, independentemente da sua área de formação. Há necessidade de compliance em qualquer organização: na banca, nos seguros, nos petróleos, no jornalismo, na saúde, na educação, na agricultura, na indústria, etc, etc, e uma das vantagens de ser-se membro da organização é, exactamente, o acesso a várias formações presenciais e on-line, sendo muitas delas gratuitas, com profissionais nacionais e estrangeiros.
O “Compliance” é apenas para as grandes empresas ou é má compreensão dos gestores sobre esta área?
Não. Não é. Não conheço na prevenção de delitos leis, em país nenhum, que digam que para as empresas grandes faz-se assim e para as pequenas cada uma faça como quiser. A lei é para todos. Logicamente, o cumprimento da legislação vai adaptar-se a dimensão ou estrutura do mercado empresarial. Agora, as empresas visam o lucro. O “compliance” não pode ser um custo maior que o benefício que dá. Não se pode ter uma estrutura de controlo que nos custou um milhão de dólares, por exemplo, para uma empresa que factura 100 mil. Mas é preciso que mesmo em empresas pequenas se desenvolva um sistema de controlo de acordo com a sua dimensão e área de actuação.
Hoje também há regras internacionais mais apertadas. Nesse quesito como é que Angola acompanha a evolução?
De facto as leis são fundamentais e elas não são só mais nacionais, mas também internacionais. Angola ao adoptar no seu quadro legislativo, através da lei 3/14 de 10 de Agosto, as recomendações do GAFI (Grupo de Acção Financeira) aliou-se aos esforços mundiais de combate aos crimes económicos, caso dos crimes de branqueamento de capitais. Essa lei imputa responsabilidade penal a pessoa jurídica, ou seja, as empresas podem ser fechadas ou incorrer em multas pelos crimes que cometem.
Nesse momento, o maior problema está nos privados ou no sector público?
A corrupção não é só no sector público. Ela está, e até em maioria dos casos, ligada ao sector privado também. O importante é sabermos que a transparência é uma atitude que deve caracterizar o gestor.
Então o auditor não é o “compliance” na organização corporativa?
A função de auditoria é uma das funções da governação corporativa. A auditoria é uma função de apoio, pois é ela quem vai verificar se a área de conformidade da empresa está a executar as suas funções. É importante chamar a atenção que nas organização, quando criamos as estruturas, adoptámos políticas de actuação e para cada uma destas há um procedimento. Logo, as políticas geram normas e estas traduzem-se em procedimentos. É nesse âmbito que vai surgir a verificação da conformidade, que é o objecto do “compliance”.
Que ferramentas o “compliance” põe à disposição dos trabalhadores ou clientes de uma dada empresa?
Sendo o seu objecto a verificação da conformidade, é importante que a função “compliance” disponha numa corporação de canais de denúncia para que as insatisfações cheguem rápido aos decisores. Há também que se apostar na formação, para que as pessoas conheçam as normas, as regras em que elas deverão actuar. Hoje, a função compliance está tão maqueada, pois ela está “bonitinha” e bem concebida
no papel, mas daí não sai.
A ausência de contabilidade organizada não é uma barreira para implementar-se o compliance em Angola?
Creio que existem duas hipóteses: ou fechámos as empresas ou as organizamos. Aqui não há terceira opção. O compliance foi feito para todas as empresas e empresários. Mesmo quando cometemos erros, o importante é sabermos que há um caminho de retorno. O mais importante nas empresas é a sua vontade de não delinquir e aplicar boas práticas.
O porquê da designação World Compliance - Capítulo Angola?
A World Compliance é uma associação internacional de profissionais que, neste momento, está representada em vários países. Por ela ser uma organização sem fins lucrativos, não abre filiais, daí a designação capítulo e o país onde está implantada. Quer dizer que temos a World Compliance - Capítulo Argentina, Chile e assim por diante.
Responsabilidade social não é caridade
A forma em como as empresas respondem à sua responsabilidade social é muito importante para o impacto dela no seio dos trabalhadores e da comunidade em que está inserida.
De acordo com Andrea Moreno, a preocupação que se deve ter não é em as empresas construírem escolas ou hospitais ou ainda mesmo fazerem muitas doações, tal como se vê em muitos lugares, porque isso não é responsabilidade social, mas sim é caridade.
“Responsabilidade social é a empresa pagar o suficiente ao seu trabalhador para que este consiga pagar também a propina que se cobra nos estudos dos filhos. Além de pagar bem, também deve pagar a tempo, para que o trablahador dê resposta às suas próprias necessidades”, explica.
Andrea Moreno diz, por outro lado, que o mais importante na responsabilidade social das empresas é ela satisfazer as partes interessadas. E nisso inclui a demissão/despedimento do trabalhador sempre que se colocar a justa causa e sem prejuízo de ninguém. “Se o trabalhador violou as normas e não há outra via, o da demissão também é agir com correcção”.
Por exemplo, para determinadas áreas de negócios, até o consumo de papel, tinteiros ou outros meios são sinónimos de responsabilidade social e protecção ambiental.
Lembra, por via disso, que uma empresa que paga os seus impostos mostra a sua preocupação com o Estado e a sua comunidade, porquanto existem serviços providos, mas que eles resultam da contribuição dos agentes económicos.
A especialista admite que dos maiores desafios das pessoas e das corporações em Angola é ainda o melhoramento da investigação e o investimento na formação. No actual cenário de eventual crise, admite, está-se a frear a aposta nas actualizações, especializações e mesmo na formação contínua, porquanto não tendo muito para gastar, os estudos são das áreas que estão a sofrer cortes no orçamento das pessoas e das próprias empresas. Como diz, há que se fazer um esforço para melhoria do cenário, pois os desafios são enormes.
“Colchonera” de dedo e unha
Andrea Moreno - É Master em Compliance, Auditora Líder em Compliance, Perito Judicial em Delitos Económicos e Data Protection Officer. Profissional com mais de 20 anos de experiência em compliance corporativo e de desenvolvimento de conteúdo nacional em multinacionais. Foi responsável pela implementação de sistemas de Cumprimento Normativo e Prevenção de Fraudes em Angola e outros países africanos. Actualmente, é consultora e formadora em Compliance e Ética para diversas empresas e Presidente da World Compliance Association - Capítulo Angola.
Tem uma paixão declarada pelo desporto-rei, o futebol.
Onde quer que esteja, leva consigo o cachecol do seu Atlético de Madrid de Espanha.
Seguir o comboio
Para Andrea, as pessoas devem dedicar algum tempo à sua formação. A título individual, conta que procura investir todos os anos 1000 (mil) horas. O objectivo, claro: “actualizar-se, para informar com propriedade”, e como diz, assim não é deixada para atrás, pois afinal o comboio não pára e tudo está em constante evolução.
Em Angola, também tem estado a ministrar várias sessões de formação no domínio comportamental, seja para bancos, petrolíferas ou outras empresas que manifestem interesse.
Recentemente, numa formação aberta sobre Compliance, interagiu com um auditório, maioritariamente, de jovens e com fortes interesses em matérias de conformidade, numa das salas de uns dos hóteis da capital à baixa da cidade de Luanda.
E como ela faz questão de lembrar, a ética deve ser um compromisso individual, antes de ser colectivo.
“A tendência é sempre de não conformidade...”
Temos mais conformidade ou inconformidade nas empresas?
A não conformidade é uma tendência humana. Não fazemos a coisa certa por natureza. Aliás, assim nas entrelinhas, constumamos dizer que o primeiro código de ética/conformidade foi o chinelo da mãe. Ela dava chinelos sempre que fizéssemos alguma coisa errada, para que pudéssemos aprender a fazer a certa. Ao nível empresarial, está visto que a maioria não anda em conformidade. E isso ocorre porque elas buscam pelo caminho mais fácil. É mais fácil ir a um concurso público ou subornar o promotor para receber o mesmo contrato e sem nenhuma concorrência?
E como vencer estas barreiras?
A eliminação da não conformidade passa pela instituição de sanções e outras penalizações para os infractores. E, às vezes, é mais difícil, porque as inconformidades estão ligadas à administração das empresas. Eles acham, em geral, que estão a fazer bema empresa. Quando cometem delitos, não sentem que estão a prejudicar a empresa, mas a beneficiá-la, o que não é bem verdade. Mais tarde ou mais cedo, os prejuízos surgem. A verdade é que as sanções por inconformidade nas corporações ainda são poucas, também porque o assunto é como que novo. Dentro de uns anos, veremos com mais frequência empresas e gestores a serem penalizados por não observarem as regras de conformidade nos negócios. O Brasil hoje é um óptimo caso de estudo.
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